quarta-feira, 14 de março de 2012

Histórias de Peão. Parte IX

Perdas e Danos.


O susto inicial não me deixou ver quem estava no quarto. Mas aquela voz... Ai, eu estava perdida.

Os dois peões se olharam e me olharam. Pronto, a casa caiu. Estávamos ferrados. Eles iam ser capados. QUE DESPERDÍCIO!

-Vou esperar do lado de fora. Vistam-se. Os dois voltem para seu trabalho e a senhorita, vem comigo.
-Patrão, a gente pode explicar.
-Não quero explicação de vocês.-Ele se voltou pra mim.-Vamos com isso menina. Daqui a meia hora temos que estar na cidade.

Ele saiu batendo a porta com força. Soltei o ar que estava preso nos pulmões e caí na cama de novo.

-Isso só pode ser um pesadelo.-Levantei o lençol.-Não, não, é um sonho.
-Essa menina.-Miguel resmungou enquanto se vestia.-Vô te contar. Em trinta anos de estrada, essa é a primeira vez que me pegam.
-Cala a boca Miguel.-Gabriel, que agora estava de pé, vestindo as calças, sentou ao meu lado e me abraçou.-Se quiser, eu vou com você falar com ele.
-Não.-Aproveitei o abraço, que eu não sou boba e fiz manha.-Eu vou falar com ele. Só vocês não perceberam, mas meu avô mudou bastante.
-Escuta aqui Flor, seu avô é uma cobra.-Ele segurou meu rosto.-Pode acabar te machucando.
-Meu avô só tem fama.-Me levantei e comecei a catar minhas roupas pela sala.-Ninguém o conhece como eu conheço.

Vesti as roupas e saí dali correndo. Os dois foram tomar banho e tomar o desjejum, antes de montar na pick-up e seguir pra cidade.
Entrei no escritório e meu avô estava parado a janela, com uma mão no bolso e um copo de conhaque na outra.

-Fecha a porta. Não quero essa empregada espiando.-Fechei a porta e ele soltou o copo.-Flor, por que fez aquilo?
-Porque... porque eu estou apaixonada.
-Pelos dois?!
-Não... sim... mais ou menos.-Ele indicou a cadeira e eu sentei, estava com as pernas bambas.-Eles não tiveram culpa, eu fui procurá-los.
-Isso é pra me deixar aliviado?-Ele esfregou os olhos e sentou a minha frente, finalmente me encarando.-Pelo amor de Deus, eu devo ter sido muito ruim no passado, pra estar vivendo isso de novo.
-Eu não vou fugir com nenhum deles. E também, não estou grávida ou coisa parecida.
-Menos mal.-Ele respirou fundo.-Sabe que eu devia estar lhe dando uma surra agora, não sabe?
-Isso quer dizer que eu já posso me preparar pra correr?
-Não.-Ele abriu uma gaveta, tirou alguns panfletos e jogou sobre a mesa.-Mas isso não vai ficar impune.
-O que significa isso?-Fotos de apartamentos, faculdades e cursos.
-Na quarta de manhã, você vai voltar pra São Paulo.
-O que?-Meu avô ainda sabia ser cruel.-Não pode me dar àquela surra agora?
-Vai se aprontar.-Ele falou sério.-Esteja em meia hora na sala. Vai sozinha com seu carro. E acho bom se acostumar com a idéia.

Me levantei com os olhos molhados. Eu sabia que era loucura ficar com aqueles dois. Por que não voltei pra casa, assim que pude? Ah, de agora em diante, tantos porquês me invadiriam o pensamento.

Cheguei à cidade quase às nove. Estava de vestido, porque foi impossível colocar uma calça com todo aquele inchaço. E óculos escuros pra esconder tanto as olheiras da noite mal dormida, quanto o inchaço do choro.

Eu só fui naquela tarde, por motivos financeiros mesmo. Eu também trabalhava nesse rodeio e pra meu azar, aquela noite seria a pré-final do concurso de rainha do rodeio.

Ou, rainha das breteras, como eu gostava de dizer. E minha mãe, sempre com bom coração, havia me inscrito.

Fui ver meu cavalo assim que estacionei o carro. Estranhei quando me aproximei e não o vi. Corri pra porteira e me desesperei, quando o vi deitado.

-Café?-Ele balançou a cabeça e fungou.-Ah meu Deus, o que você tem?

Abri a porteira e entrei. Ele estava tentando se levantar. Olhei em voltar, mas estavam todos ocupados com seus afazeres, para me ouvir.

-Fica calmo, eu volto num instante com ajuda.

Tropecei num balde de comida quando saí. Tranquei a porteira e fui correndo atrás dos peões. Eles estavam descarregando um caminhão de ração pros animais.

-Gabriel.-Cheguei correndo e apavorada, parecia que o diabo estava nos meus calcanhares.-Vem comigo, preciso da sua ajuda.
-O que foi Flor?-Miguel se aproximou.-Seu avô fez alguma coisa?
-Não o meu cavalo. Ele está deitado na baia. Alguma coisa aconteceu com ele.
-Vamos lá.

Fomos os três correndo pra baia. Deixei os dois entrarem pra cuidar do cavalo e comecei a andar de um lado a outro.

-Flor, na pick-up tem um estetoscópio grande. Pega pra mim.
-Aonde?
-Na pick-up Flor.
-Deixa que eu vou.-Miguel se levantou.-Fica com o cavalo. Ele gosta da sua voz.

Miguel saiu dali correndo. Me ajoelhei ao lado do Gabriel.

-O que ele tem?
-Calma. Eu acho que são cólicas.-Ele fechou a expressão.-Alguém deve ter mudado a alimentação dele.

Me voltei pro balde na entrada e engatinhei até lá. Meu coração quase parou quando vi o que havia ali dentro.

-É milho.                                        
-Milho?-Ele puxou o balde da minha mão.-Mas que diabos. O que esse pessoal está pensando?

Miguel voltou com o estetoscópio. Gabriel começou a examinar o cavalo e sorriu por fim.

-Ele vai precisar de descanso. O mais importante é fazê-lo comer. Com a dor, ele não vai querer comer. Você pode cuidar dele Flor?
-Claro seu imbecil.-Acariciei as tranças dele.-Não podemos levá-lo pra casa?
-Vou informar ao seu avô.-Ele se levantou.-Se tudo correr bem, o levaremos de volta pra casa ainda essa tarde.

Ele saiu dali e Miguel me abraçou. Busquei consolo nos braços dele.

-Calma, vai ficar tudo bem.-Ele acariciava meus cabelos de uma forma gostosa, que me fez relaxar.-Ele é forte, tem uma boa alimentação. Não vai ser um envenenamento que vai derrubá-lo.
-Ele já está derrubado.-Levantei a cabeça.-Em matéria de consolo, você tira nota três.
-Posso não saber consolar.-Ele me colocou sentada mais acima.-Mas sei fazer outra coisa que você gosta.
-Miguel, daqui a pouco isso aqui vai estar cheio de gente.
-Mais um motivo pra não perdermos tempo.

Ele me segurou pelos cabelos e me beijou. A mão já estava subindo e apertando meus peitos. O cavalo fungou e eu me separei dele, um tanto transtornada.

-Vocês vão demorar com isso?-Gabriel perguntou, de pé à porta.
-Não estávamos fazendo nada.-Me levantei do colo do peão.-Onde está meu avô?
-Foi procurar um dos organizadores pra ver o que está acontecendo. Se o que aconteceu com o cavalo for sabotagem, a prova de equitação desse ano será anulada.
-Mas eu estou na frente.
-E com o cavalo doente, não vai poder competir amanhã.
-Certo.-Passei por ele e suspirei.-Obrigada por cuidar dele pra mim.

A polícia foi acionada. Começaram as investigações, pra descobrir o que aconteceu com meu cavalo.

À tardinha, quando tudo estava mais tranqüilo no estábulo, alguns homens removeram o cavalo até o carro.

-Aqui está bom.-Gabriel fechou a porta.-Quando chegarmos à fazenda, ele vai ficar mais tranqüilo. Vai sair desse barulho, do meio desse povo todo.
-Eu vou com você.
-Não, você fica.-Ele me tirou de sua frente indelicadamente e entrou no carro.-Fica com o Miguel.

Isso era hora daquele idiota ter um ataque de ciúmes? Corri pro estacionamento com Miguel atrás de mim.

-Você vai voltar?
-Claro.
-Então eu vou com você.-Ele pegou a chave da minha mão.-Essa estrada é perigosa, você está nervosa.
-Eu posso ir sozinha.
-Não pode não.-Ele entrou no carro.-Vamos indo?

Entrei no carro e fui com ele. Afinal, tanto fazia se eu fosse a pé, de carro ou de jegue. Eu queria chegar à fazenda e ficar com meu cavalo.
Miguel foi devagar desviando dos buracos e mais à frente, estranhei quando vi a cerca que avisava aos motoristas noturnos, que havia uma pirambeira ali (Ou um morro) destruída.

-Quando passei aqui hoje cedo, ela estava inteira.
-Deve ter acontecido há pouco. Quer parar?
-Para. Ainda tem marcas de pneu na terra.

Ele encostou o carro e eu fui ver de que se tratava. Quando cheguei no topo do morro, minhas pernas amoleceram.

-Miguel são eles.-Puxei o ar lá do fundo e desci correndo.-Gabriel!
O carro havia descido a “pirambeira” e capotou até bater em uma árvore e parar. O Gabriel estava preso ao cinto, com a testa sangrando. Eu não sabia o que era feito do meu cavalo. Entrei em pânico, desci escorregando e caindo na terra lisa. Quando cheguei na porta do motorista, abri e tentei subir, mas Miguel me segurou.

-Ele precisa de ajuda.
-E se você balançar o carro, eles vão terminar de cair.-Ele segurou o rosto ensangüentado do Gabriel.-Hei Peão, está me ouvindo?
-O... Ca... Car.-Ele murmurou.
-O cavalo.-Saí dali e fui correndo pro carro de boi. Abri a porteira e fiquei sem chão.-Café?

Ele moveu a cabeça e relinchou. Eu não podia entrar, mas também não podia deixá-lo se mover.

-Miguel. Tem tranqüilizante no carro?
-Acho que tem.-Ele foi pelo outro lado e levantou o banco, pra pegar o remédio.-Você aplica?
-Sim.-Peguei uma seringa.-No meu carro tem um celular. Chama uma ambulância e liga pro meu avô.
-Eu também tenho um troço desse.-Ele tirou um rádio do bolso.-Ta sempre desligado, as mulheres daqui descobrem meu número. Já troquei três vezes.
-Pobre menino.-Acariciei o cavalo e suspirei.-Segura a pata dele, posso levar um coice.

Apliquei uma vacina no cavalo, da forma que meu avô me ensinou quatro anos atrás, quando me deu o filhote de mestiço.

Fiquei com ele alguns instantes, até ele relaxar e parar de tentar levantar.

A ambulância chegou logo depois. Por sorte estavam no rodeio.

-Eu vou com o Gabriel.-Falei com Miguel.-Você fica com o Café.
-Certo moça. Mais tarde eu vou pro hospital.

Entrei na ambulância quando meu avô estava chegando de carro. Não falei nada, simplesmente sentei em um cantinho enquanto os para-médicos mantinham o peão imóvel. Uma mão dele estava sangrando, a cabeça. Tinha uma marca roxa do cinto transpassando o peito dele.
Fui rezando até o hospital. Fiquei na sala de espera por algum tempo sozinha, até chegarem a Chloe e o Fernando. Conversamos pouco, eles buscaram informações com os médicos e depois sossegaram ao meu lado.

-Menina, você não quer ir pra casa descansar? Parece tão abatida.
-Não.
-Certo então.-Fernando se levantou.-Eu vou tomar um café, vocês querem?
-Não Fernando, obrigada.-Ele se voltou pra mim e eu balancei a cabeça, então ele saiu.-Você está bem Flor?
-Estou.-Sacudi a cabeça.-Por que ele está tão seco?
-Pensa que você ajudou a Vi a fugir pra ficar com o Miguel.
-Era só o que me faltava. De onde ele tirou essa história?
-Está a cidade inteira comentando.-Ela riu.-Sabe como te chamam?
-Não. Como?
-Dona Flor.-Ela sorriu.-Gabriel acertou os dentes de um peão hoje no rodeio, porque insinuou isso quando o viu.
-Eita.-Eu ri.-Mas eu nem sabia que o Miguel era o tal noivo. E também, a Vi está bem melhor com o homem que ama. O Miguel não vale um saco de esterco.
-É mesmo? Parece um bom moço.
-Bem, ele é. Mas é do tipo que não estaciona em uma só garagem por muito tempo.
-Bom. Parece que ele gosta de você. Está até brigado com o melhor amigo por causa disso.
-Eu não sou prêmio de consolação pra ninguém. O que Gabriel fez comigo não tem perdão.
-E por que ainda está aqui?
-Porque quero me certificar de que ele não morreu, pra matá-lo eu mesma.
-Ele deve ter aprontado feio. Meu filho não é de deixar uma mulher com raiva.

O médico chegou com uma prancheta na mão e sorriu quando disse que o peão estava bem, só havia cortado o rosto com os estilhaços de vidro e fraturou o pulso.

Os pais dele foram para o quarto. Eu continuei na sala de espera. Finalmente deixei as lágrimas de alívio rolarem.

Quando saíram, me pediram pra ficar no quarto com ele. Fui só para me certificar de que ele estivesse bem. Mas ele já estava dormindo. Sentei na poltrona ao lado e relaxei até cair no sono.

Quando acordei eram oito da manhã. Gabriel estava sendo ajudado por uma enfermeira, que logo saiu quando terminou de trocar o curativo da testa.

-Hei, você me reconhece?-Perguntei brincando.
-A pancada não foi tão forte assim.-Ele riu enquanto eu sentava ao lado dele.-E como está o cavalo?
-Não sei. Fiquei aqui a noite toda. Miguel não chegou ainda.
-A culpa foi minha.
-O que?
-Eu estava com ciúmes de vocês e não prestei atenção na estrada.-Ele segurou minha mão com a mão boa.-Me perdoa, eu não queria machucar o seu cavalo.
-Gabriel, o que aconteceu realmente?
-Eu estava distraído com meus resmungos, quando apareceu um carro vermelho há poucos metros, se eu desviasse para o outro lado, teríamos batido de frente e eu mataria a pessoa que estava dentro do carro. Então desviei e desci a ladeira, perdi o controle e o carro capotou.
-Você viu quem estava dirigindo o carro?
-Não. Mas ele saiu do carro e ficou de cima do morro olhando.
-E deu pra ver quem era?
-Não. Mas parecia muito com o Carlos.
-Bem, vamos deixar a polícia resolver isso.-O beijei bem encima do curativo.-Estou feliz porque você está bem. Se algo tivesse acontecido... eu não sei o que seria de mim.
-Por quê?
-Porque eu te amo peão.-Acariciei os cabelos dele, já estava começando a chorar.-Eu te odeio por nunca ter dito que tinha uma namorada, por ter começado as coisas daquele jeito, no meio do mato. Mas te amo desde a primeira vez que o vi.
-Flor.-Ele pigarreou e sacudiu a cabeça.-Você deve estar confusa.
-O que?
-Isso é coisa da sua cabeça.-Ele soltou minha mão.-Eu fui o primeiro, é certo de que você pense que isso que sente é amor. Mas você é uma menina ainda. Um dia vai entender o que estou falando.
-Gabriel, não te pedi nada em troca.-Sequei as lágrimas e olhei em volta, procurando não encará-lo.-Você não precisa se casar comigo, pode ficar tranqüilo.
-Claro que não.-Ele começou a ficar cruel.-E também, somos primos. O que seria dessa relação?
-Como é?-Me levantei e parei perto da janela.-Quando estávamos nos enroscando na cama, você não parava pra pensar se éramos primos, irmãos ou qualquer coisa do gênero.
-Mas casamento é uma coisa diferente.
-Não estou te pedindo em casamento!-Falei nervosa.-Já falei que não estou te pedindo nada em troca!
-Como você mesma disse, eu prometi casamento à outra.-Meu coração esmigalhou naquele momento.-Ela ficou de vir hoje pro último dia de rodeio.

A porta do quarto se abriu e por ela passou um Miguel irritado. Lançou um olhar que gelaria o inferno pro Gabriel e se voltou pra mim.

-Precisamos de você na fazenda.
-O que aconteceu com meu cavalo?
-É melhor te explicar na fazenda.
-Fala agora de uma vez.
-Certo.-Ele respirou fundo.-Seu cavalo foi envenenado e o medicamento que deram a ele surtiu o efeito esperado.
-E então?
-Ele fraturou duas patas na queda. Não tem concerto. Precisamos sacrificar.
-O que? Vamos pra fazenda agora.
-Menina Flor, espera um instantinho na recepção, tenho que dar uma palavrinha com esse peão.
-Vamos embora, depois vocês trocam figurinhas.
-Moça, acho bom esperar na recepção.-Ele falou e a raiva foi fazendo as veias saltarem o pescoço, os punhos estavam cerrados.-Não demoro cinco minutos.
-Certo então.-Saí dali sem olhar mais uma vez pro Gabriel.

Parei atrás da porta e ouvi a discussão como se estivesse do lado de dentro.

-Você é um canalha pior do que eu.
-Por quê?
-A sua dor de cotovelo não vale o sofrimento dessa garota.-Ele gritou nervoso.-Nem eu teria me aproveitado de alguém assim.
-Eu não me aproveitei...
-Você sabia que ela era apaixonada por você. Todos sabiam. Você a seduziu, brincou com ela o quanto pôde e agora vai casar com outra, só por dor de cotovelo.
-Não estou com dor de cotovelo.
-Cala a boca Gabriel. Eu lhe arrebento os dentes.-Ele diminuiu o tom.-Eu vou levar a moça pra casa. Fique sabendo que você perdeu um amigo.
-Eu perdi esse amigo, quando ele ficou com a minha mulher.
-Ela não é sua.-Ele riu.-Você acabou de dispensar. E não sabe o que está perdendo. Azar o seu, agora ela é minha.
-O que?
-Tenha uma longa e dolorosa recuperação parrrcero.

Corri pra recepção e respirei fundo. Tentei manter a compostura, mas quando vi Miguel, as lágrimas rolaram mais uma vez.

-Não podemos fazer nada pra salvá-lo?
-Não. Tentamos de tudo, mas não vai adiantar. Ele é um cavalo grande e pesado. Vai sentir dor sempre que ficar muito tempo de pé, ou caminhar. Você conhece cavalos, sabe do que estou falando.
-E se nunca mais ele for montado?
-Flor, a pata dele não tem cura.-Ele segurou minha mão.-Você tem que ser forte.

Chegamos à fazenda e nos dirigimos à estrebaria. Havia alguns peões ali, vi meu avô e meu pai conversando. Quando me viram, eles mudaram a expressão.

Entrei na baia e havia um veterinário com ele. O cavalo babava um pouco e fungava.

-Ele está sentindo dor?
-Está dopado.-Disse o veterinário.-Você é a proprietária?
-Sou.
-Preciso da sua autorização, para sacrificar o animal.
-Vô.-Meu avô se aproximou e colocou a mão no meu ombro.-O que você acha?
-Meu anjo, fizemos o que podíamos.-Ele suspirou e me abraçou.-Ele vai agradecer se você deixá-lo partir.
-Certo.-Entrei na baia e acariciei a crina macia, depois a cara larga.-Não dá pra ele dormir primeiro?
-Não.-O médico falou, preparando a injeção.-Ele já está dopado. O remédio só vai fazer o coração dele parar.
-E isso vai doer?
-Não.-Ele sorriu tentando me acalmar, mas ele estava mentindo, eu sabia.-Não quer falar com ele primeiro?
-Claro.-Deitei ao lado do cavalo, sobre o feno seco e sorri quando ele fungou.-Vou sentir falta disso, sabia? Você foi o único macho de verdade que eu conheci.
-Que isso?-Meu pai perguntou.
-Deixa ela desabafar.-Miguel falou.
-E sabe o melhor? Aquele troféu era nosso mesmo. Nenhum cavalo é pariu pra você campeão. Pra onde você vai agora, terá uma porção de campeões iguais a você. Você nunca foi um bicho de estimação, foi meu melhor amigo.-Eu ia falando enquanto o acariciava pela última vez.-Prometo que nunca mais vou me meter em uma competição. Nunca será o mesmo sem você. Não prometo que nunca mais vou cavalgar no campo, porque você também não iria gostar. Mas vou pegar aquele desgraçado que te envenenou e vou arrebentar o vagabundo que avançou no carro do Gabriel. E nunca mais ele vai esquecer o peso da minha mão.

Conforme eu ia desabafando, o cavalo parou de fungar. As lágrimas caíam insistentes, era impossível não ficar triste naquele momento. Saíram todos e eu fiquei só com o meu campeão.

Enterraram o café no campo, com a ajuda de uma retro escavadeira. Eu estive lá, sentada embaixo de uma árvore, observando os peões trabalhando. Ouvi dizer que a competição de hipismo foi anulada e se realmente fosse descoberto sabotagem por parte das outras equipes, a nossa equipe seria campeã daquele ano.

Relaxei embaixo da árvore, remoendo minha dor. Apaguei em sono profundo.

Acordei só no outro dia, com minha mãe ao meu lado.

-Flor? Você está bem?
-Não.
-Tem alguém aí fora, que gostaria de te ver.
-Não quero ver ninguém.
-Vamos Florzinha, sai desse quarto, vai conversar com o Carlos.
-Carlos?-Levantei na hora.-O que ele faz aqui?
-Ficou sabendo do acidente com o cavalo e veio vê-la.
-Ele está com um carro vermelho?
-Está sim. Como sabe?
-Eu vou matá-lo. Onde ele está?
-Na piscina. Flor, o que você tem?

Saí pela varanda, de camisola e tudo. O carro estava na entrada, com um arranhado que pegava de um lado a outro. Carlos sorriu quando me viu. Mas foi o último sorriso dele. No momento seguinte, ele sentiu o gosto do sangue, quando lhe acertei um soco com toda força que tinha.

Não sou uma mulher que tem medo do tamanho de um homem. Desde que não me pegue desprevenida, eu dou conta. Miguel estava com o nariz roxo até hoje.

Quando meus pais chegaram à piscina, eu estava montada nele, socando com toda força que a ira me deu naquele momento.

A força da raiva é mesmo incrível. Eu estava cega de ódio, socava e socava até que me puxaram de cima dele.

-Hei moça, vai matar o cabra.
-Esse filho da puta matou meu cavalo.-Eu tentava me soltar das mãos de quem me segurava.-Eu vou moer os ossos dele na porrada.
-Flor, se acalma.-Meu avô pediu.-Ele está desmaiado. Maria Flor!
-Me solta agora seu imbecil.
-Vai esfriar a cabeça vai.

Senti o impacto da água fria da piscina. Aquele safado havia me jogado na piscina. Ia ser o próximo a perder os dentes.

Quando saí da piscina, todos olhavam pra mim com cara de espanto. A empregada se aproximou com uma toalha recém tirada do varal.

-Toma menina se acalma. Ele já está acabado.
-É, finalizou o cara no murro.-Percebi que o engraçadinho era o Miguel.-E a vencedora desse round foi a Flor.
-Minha filha, você disse que o Carlos matou seu cavalo. O que está sabendo?
-Perguntei ao Gabriel como tudo havia acontecido.-Comecei a tremer de nervoso.-Ele falou que um carro foi pra cima e quando ele desviou, ele foi para o mesmo lado, só restou ao Gabriel, jogar o carro morro a baixo. Se tivessem batido de frente, não teria sobrado ninguém.
-E como sabe que foi Carlos?
-Ele falou que o carro era vermelho.-Apontei para o mesmo lá fora.-Quem mais nessa porcaria de cidade, tem um carro vermelho?
-Ela tem razão.-Meu avô olhou para a figura de Carlos.-Vamos chamar a polícia. E o Gabriel também vai voltar a prestar depoimento. Agora mocinha, vá pra dentro se secar.

Minha mãe me amparou até o quarto. Eu ainda estava movida pela adrenalina, meu corpo inteiro tremia e eu queria muito terminar o que havia começado.

Foi ótimo a sensação de ter vingado pelo menos um pouco do que ele havia me feito.

À tardinha, eu estava na varanda do meu quarto, sentada olhando pro estábulo. Só conseguia imaginar e visualizar o Gabriel saindo com o Café dali pra vacinar, dar banho ou simplesmente limparem a baia.

Sorri quando vi Miguel subindo as escadas. Vi um bicho minúsculo o seguindo de perto. Pelo som que emitia e era parecido com um latido, era um cachorro.

-Hei bela adormecida, finalmente acordou.-Ele se aproximou e me beijou na testa.-Sua mão, como está?
-Um pouco inchada.-Sorri.-Arrebentei algum dente?
-Pelo menos três.-Ele riu.-Joguei ele na caçamba da pick-up e desovei no hospital da cidade, nas mãos do delegado.
-Valeu a pena.-Apontei pro cachorrinho que se encolhia e balançava o rabinho, depois pulava na perna dele e agarrava na calça.-E isso, quem é?
-É um mini cavalo.-Ele deu de ombros.-Você vai ter que esperar um pouco, mas acho que não crescerá o suficiente pra ser montado.
-Como assim, você vai?
-Sabe o que é?-Ele coçou a testa. Tadinho, nunca havia feito aquilo.-Tinha uma cadelinha lá em casa e ela foi atrás do cachorro do vizinho. Voltou emprenhada e os filhotes eram tão bonitinhos, que só sobrou o amarelinho aí.
-Mentira.-Cruzei os braços.-Faz duas semanas que esse filhote de golden estava na vitrine do pet shopping.
-É, você me pegou.-Ele tirou o chapéu e segurou com as duas mãos.-Mas os irmãozinhos dele foram comprados e só sobrou ele. Eu não resisti. Só que não tenho tempo pra cuidar.
-E?
-Vim oferecer o pobre órfão a você.-Ele apontou pro cachorro que fazia xixi no pé da pilastra.-Ele não é muito educado, mas é um ótimo companheiro.
-Ele gosta de você.-Me abaixei e peguei o filhote.-Deu um nome a ele?
-Estive pensando, mas só consegui fazer ele gostar de Barnabé.
-Tadinho.-Mas o nome surtiu efeito.-Chama de novo.
-Barnabé?-O cachorro abanou o rabinho, tentando ir pro colo do Miguel.-Não é que pegou?
-Eu não posso ficar com ele Miguel.-Acariciei o pelo da cabecinha do cachorro, já apaixonada.-Eu vou embora.
-Leva ele com você.-Ele acariciou o cachorrinho, tocando minha mão.-Cuida dele pra mim.
-Posso pedir um salário?-Ganhei uma lambida com cheiro de leite no rosto.-Tudo bem, vocês ganharam.
-Eu sabia que tinha um coração espremido entre esses peitos.
-Por que fez isso Miguel?
-Pra ver esse sorriso no seu rosto.-Ele pôs o chapéu na cabeça.-Eu trouxe ração, ele está vacinado. Há, também trouxe uns brinquedos pra ele roer, porque filhote rói tudo que acha na reta. E também tem shampoo e...
-Hei, você trouxe o enxoval do cachorro?
-Eu acho que foi só o básico.-Ele foi até o carro e voltou com uma caixa, cheia de coisas.-Isso está bom?
-Meu Deus.-Coloquei o cachorro no chão.-Você trouxe até roupa?
-Essa camisa do Palmeiras estava na promoção.
-Só tem um problema.-Sorri.-Torço pelo São Paulo.
-Hum.-Ele riu e tirou outra camiseta.-Só não trouxe do Corinthias, porque o único que tem mau gosto aqui, é o Gabriel.
-Sei. Coloquei a caixa na cadeira onde estava sentada antes.-Você seria um ótimo pai.
-É, mas graças a você, a Vitória fugiu com outro.
-Bom, você não me parecia estar muito apaixonado por ela, na noite anterior ao casamento.
-Mas ela estava grávida.-Ele deu de ombros.
-O filho não era seu.-Ele sacudiu a cabeça.-Você sabia?
-Sabia.-Ele deu de ombros.-Mas estava pouco me importando na verdade. Estou com trinta, pra mim já estava na hora de me amarrar. Mas aí, conheci você... e desejei nunca ter dado continuação ao noivado.
-Por quê?
-Assuntos insignificantes, pensamentos de homem.-Ele me beijou na testa.-Estou indo. Ah esqueci.
-De quê?
-Se arruma, essa noite vou te levar pra sair.
-Eu? Pra onde?
-Cinema.-Ele descia os degraus.-E se prepara pra dormir fora.

O cachorrinho latiu quando o viu partindo. O peguei e entrei. Minha mãe, pra variar, estava no quarto.

-Você já percebeu que esse moço gosta de você, não é?
-Coisa passageira mãe.-Coloquei o cachorro encima da cama.-Ele é fofinho, não?
-É.-Ela sorriu.-Seu avô adiou a viagem pro fim de semana.
-Por mim, iria agora.
-Vai sair hoje, se distrai. Você já arrebentou a cara do Carlos mesmo. Sem contar com o nariz do Miguel.
-Ainda falta o Gabriel.
-Essa fase vai passar. E você vai ficar mais forte. Por que uma coisa você já tem, o coração puro.-Ela acariciou o cachorrinho e saiu.
-E você Barnabé?-O cachorro se voltou pra mim.-É, seu pai te deu o nome perfeito.

Me aprontei com o máximo de cuidado que pude. Coloquei um vestidinho comportado de manguinha preto e um sapato de salto baixo. Deixei a cabeleira solta, fiz uma maquiagem leve. Quem me visse, não diria que era a mesma mulher que dias atrás, estava se atracando com dois peões dentro de uma cabana velha.

Miguel chegou numa Hillux preta. Estava vestido de preto, cheiroso, com a barba feita.

Desci os degraus da varanda e o cachorro veio atrás, embolando a cada degrau.

-Você fica. Coloquei ele no quarto e fechei a porta da varanda, desci a escada e fui até o peão.-Há que horas é a sessão?
-As oito e vinte.-Ele olhou o relógio.-São sete. Podemos apertar o passo?
-Podemos conversar no trajeto?
-Claro.-Ele abriu a porta pra mim e sorriu quando me ajudou a subir na pick-up.-Você está linda.
-Você não está diferente.-Sorri quando ele entrou no carro e comecei a conversa.-Sabe Miguel, nos conhecemos intimamente, mas percebi hoje, que não sei nada sobre você.
-Por que não quer.-Ele deu de ombros.-Pode perguntar até pra sua mãe, tudo que quiser sobre mim.
-Mas prefiro ouvir de você.-Ele sorriu enquanto ligava o carro.-Então, aonde você mora? O que faz da vida?
-Eu sou peão de boiadeiro, por paixão.-Ele sorriu.-Sou formado em engenharia e administração, mas não consegui ficar na cidade de terno e gravata. Nasci no campo, sou filho de fazendeiros. Meu pai, que Deus o tenha em bom lugar, foi o pioneiro do arroz nessa região. Morreu aos oitenta e três anos, vítima de um acidente de helicóptero. Herdei a fazenda com minha mãe. Expandimos os negócios e plantamos soja e feijão. Exportamos pra fora do país. Eu moro há uns dois ou mais quilômetros daqui. E tenho um apartamento na cidade, próximo ao shopping e um ranchinho na serra.
-Nossa.-Sorri abismada.-Eu pensei que você fosse só um peãozinho sem eira nem beira.
-Desapontada?
-Sim.-Suspirei.-Imaginei você me oferecendo a garupa, igual o Zé fez com a Vitória.
-Eles estão de volta.-Ele deu de ombros.-A Chloe conseguiu convencê-los a voltar. Ainda mais agora que o Gabriel está em casa de repouso.
-Vaso ruim não quebra.
-Mas dá trabalho.-Ele riu.-Por falar em trabalho e o cachorro?
-Urinou no carpete branco do meu quarto, roeu a cortina e a colcha da cama.
-Você esqueceu dos brinquedos?
-Não. Mas parece que ele tem um fraco por tecidos.
-Se ele der muito trabalho, pode me devolver.
-Não.-Eu sorri.-Qual é o filhote que não dá trabalho?

Chegamos à cidade, escolhemos um dos filmes que estavam em cartaz e fomos tomar sorvete, enquanto não começava a sessão.

O filme escolhido foi engraçadinho. O cinema era daqueles que passam filmes antigos, tipo drive-in. Mas a sala era comum. Às vezes passava Charles Chaplin, ou outro tipo de filme em preto e branco.

Escolhemos um filme mais atual. “Alguém tem que ceder”. Já havia visto na locadora, mas nunca tive vontade de alugar. Ou era isso, ou era “E o vento levou” ou “Titanic”.

Estava adorando passar aquele momento com Miguel. Se pudesse voltar no tempo e ter me apaixonado por ele...

Mas, o que estava feito, estava feito.

Saímos do cinema após a sessão e demos de cara com Gabriel, com um braço engessado e um curativo na testa. Uma mulher se aproximou sorrindo e encaixou o braço no braço bom dele.

-Eu não acredito que ele fez isso.-Miguel murmurou.-O próximo a perder os dentes, vai ser ele.
-Do que está falando?-Nos aproximamos do casal de mãos dadas.
-Então moça, como está?
-Me recuperando.-Falei sem fitá-lo nos olhos.-E você?
-Saí do hospital hoje.-Ele deu de ombros.-Estava cansado de ficar em casa, vim espairecer.
-E não dá pra namorar com os pais dele puxando conversa.-A mulher falou, se fazendo presente.-Não é mesmo querido?
-Não apresenta sua namorada?-Perguntei enquanto Miguel me abraçava de forma protetora.
-Claro.-Ele pigarreou.-Tânia, essa é a Maria. É neta do vizinho e... minha prima.
-Prazer.-Ela sorriu.-Agora vamos querido? Você precisa descansar.
-É... vocês vão embora agora?-Ele perguntou a nós dois.
-Não.-Miguel falou.-Eu a trouxe pra tirar de dentro daquele quarto. Não vou devolvê-la tão cedo.
-O que aconteceu?-Ele puxava assunto e estava ficando mais constrangedor.-Imaginei que você fosse se dedicar ao cavalo, esses dias que ele está doente.
-Não te contaram?-Miguel apertou o abraço.-Precisamos sacrificar o cavalo.
-Mas... me falaram que estava tudo bem...
-Vamos indo meu anjo?-Miguel perguntou, antes que ficasse mais constrangedor.
-Claro.-Sorri para os dois.-Com licença. Foi um prazer Tânia.
-Igualmente.

Saímos dali normalmente. Miguel parou no estacionamento e soltou uma rajada de palavrões.

-Você está bem?-Ele perguntou quando a calma voltou.
-Detesto que me chamem de Maria.-Fiz bico.-O que você tem?
-Estava pensando em esticar a noite. Mas agora...
-Vamos esticar a noite.-Sorri.-Eu só precisava descansar. Agora estou mais tranqüila. Sabe, o cachorrinho preencheu um buraco enorme que ficou no meu peito.
-Fico feliz por isso.-Ele me trouxe pro abraço.-Fui visitar esse idiota essa tarde e comentei que pensava em levá-la ao cinema. Desculpe, não queria que se encontrassem.
-Está certo Miguel. Mas vamos fazer o que mais hoje?
-Gosta de vinho tinto?
-Adoro.
-Tenho uma garrafa de ótima safra no meu apartamento.-Ele tirou a chave do bolso e me deu.-Você decide.
-Vamos embora então.

Eu estava com o espírito renovado naquele momento. Ver Gabriel não foi a pontada que eu esperei que seria. A surra que dei no Carlos, o cachorrinho, o filme... Miguel... Tudo isso me fez relaxar naquele dia. Só se afoga na dor, quem quer. Eu precisava reagir, afinal, todos passamos por provações.

Chegamos ao condomínio, o portão foi aberto. Miguel entrou e cumprimentou o porteiro, pegou a correspondência e subimos pra cobertura. A cidade ficava linda, vista daquelas janelas enormes.

Miguel acendeu as luzes, foi até o bar, pegou duas taças e a garrafa de vinho no frigobar.

-Seu apartamento é legal. Diferente dessa cidade rústica, moderno.
-É, eu ia transformar isso aqui em um escritório, mas acabei seduzido pelo conforto e pela paz que há aqui.
-É silencioso até de mais.-Sorri enquanto me sentava no sofá.-É estranho quando não tem uma vaca mugindo, ou um cavalo relinchando.
-Bem vinda à cidade.-Ele foi até o aparelho de som e colocou um CD com uma música suave pra rodar.-Você vai embora em dois dias. Gostaria de aproveitar um pouco mais.
-Usa esse apartamento pra seduzir mulheres ingênuas e deslumbradas?
-Não. Nenhuma mulher pisou aqui.-Ele falou.-Não para fins sexuais ou semelhantes. Minha casa é um santuário.
-Um santuário sem sexo?-Sorri.-Então precisamos ir para o hotel da cidade.
-Nada disso.-Ele se levantou.-Tenho uma cama enorme no quarto. Hidromassagem no banheiro, apesar de nunca ter usado. O que acha?
-Acho que está com intenções de inaugurar seu santuário.-Sorri tomando um gole do vinho.-Por que fui à escolhida?
-Porque você é diferente de tudo que já vi nessa vida.-Ele se aproximou e puxou uma mexa do meu cabelo, enrolando no dedo.-Você tem personalidade. Por fora é uma mulher, por dentro uma menina. Tem paixão, é ingênua, mas não tola. Você se entrega sem medo de estar errando. Se joga nos braços da felicidade, como se fosse a última coisa que fizesse na vida.
-Miguel... o que está dizendo?-Minha garganta travou.-Por que está dizendo?
-Porque estou apaixonado por você.-Ele riu.-E por que quero você.

Ele me puxou pro colo e me beijou. Eu não esperava que ele fosse tão sincero quanto aos sentimentos. Ele me beijou e se entregou ao beijo de uma forma deliciosa. A língua dele penetrando minha boca, buscando a minha língua. A mão dele segurando minha nuca, a respiração cortada.
Nossas bocas se separaram de uma vez, ficamos nos olhando e buscando o ar que o beijo tomou.

-Você quer continuar?
-Você nunca me perguntou isso.
-Medo de ouvir um não, talvez.-Ele deu de ombros.-Então?
-Agora não tem medo?
-Não.
-Eu quero descobrir a maciez da sua cama.-Sorri.-E quero estrear a hidro com você. Isso se der tempo.

Ele sorriu e se levantou comigo no colo. Me levou pro quarto e fiquei pasma com o tamanho da cama e do quarto. Aquele era um apartamento de solteiro, mas aquele quarto, meu Deus, cabia o meu e meio, dentro dele. E quando ele me deitou naquela cama, me senti a mulher mais sensual do mundo.

Ele tirou meus sapatos, beijou meus pés e desceu a mão por baixo do vestido.

Nos enroscamos em mais um abraço, enquanto as bocas se grudavam mais uma vez. Devagar ele foi subindo meu vestido, até separar a boca, só pra tirá-lo pela minha cabeça.

-Deus do céu, isso tudo é pra ir ao cinema?
-Eu te conheço. Ficaria desapontada se não me trouxesse pra esticar a noite.-O empurrei pra cama e me pus por cima.-Gosta?
-Adoro.

Eu estava vestindo uma lingerie preta transparente. A calcinha era pequena, não do tipo fio dental, aquilo me dava um incômodo. A mão dele subiu pelo meu quadril, os dedos dele passaram por dentro da calcinha, ameaçando tirar e recuando. Me debrucei sobre ele e comecei a desabotoar a camisa, expondo aquela cadeia de músculos, que eu só pensava em beijar e morder.

Desci os lábios até a barriga dele e não me contive. Dei uma sedenta mordida naquela ondinha que o músculo fazia e desci a mão para o cinto. O membro já estava rijo dentro da calça. Ele sorriu quando baixei mais os lábios e beijei pouco acima do cinto. Desafivelei e abri a calça. O volume estava me chamando. Mordi de leve por cima da cueca e fui baixando até libertar aquele pau grosso e latejante. O pus na boca inteiro e chupei, lambi, fiz a proeza de enfiá-lo até o talo na garganta, mas voltei logo em seguida.

Chupei até deixá-lo desorientado. Miguel gemeu quando estava difícil de se segurar e me afastou de si.

-Está se precipitando moça.-Ele arrancou os sapatos e as meias, tirou a camisa e a calça.-Temos toda uma noite pela frente. Então, relaxa.

Ele afastou meu cabelo, começou uma trilha com os lábios pelo meu ombro, minhas costas, puxou o fecho do sutiã e subiu a barra da lingerie, passou pela minha cabeça, libertando meus peitos, se não me engano, a parte do meu corpo, que ele mais gostava.

Ele estava sentado atrás de mim, desceu uma mão pelas minhas costas me arrepiando inteira. Os lábios dele vieram suavemente sugando o lóbulo da minha orelha. Me arrepiei mais uma vez. Os lábios dele continuaram o trajeto pela minha pele, descendo até o ombro, sugando e lambendo.

Uma mão agora acariciava meu grelinho por dentro da calcinha. Gemi quando o toque intensificou e ele soube à hora certa de penetrar um dedo, enquanto causava sensações deliciosas com os lábios no meu ombro, pescoço, descendo um pouco. Ele me puxou pro colo e lambeu um mamilo. A mão saiu de dentro da minha calcinha, subiu pro peito negligenciado por aquela boca sedenta. Ele sugava e chupava, me proporcionando choques de prazer.

O pau dele estava roçando contra meu quadril. O separei de mim, ajoelhei no chão e voltei a chupá-lo. Só a expectativa de tê-lo dentro de mim tão duro como estava, me deixou vibrando de tesão.

Me levantei, baixei a calcinha e sentei no colo dele, conduzindo aquele membro duro pra dentro da minha gruta.

Gememos ao mesmo tempo, enquanto as bocas se procuravam. Subi e desci algumas vezes, rebolei sentindo aquela tora tocar em todas as paredes e todos os cantinhos da minha boceta.

Ele segurou meu traseiro e me forçou mais pra baixo, chegando ao fundo.

-Ah...
-Dói?
-Não.-Meus olhos ardiam. Eu queria gritar de prazer.-Você é uma delícia Miguel.

Ele me jogou sobre a cama, tirou a cueca e caiu de boca na minha amiguinha. Estava toda molhadinha, meu clitóris estava sensível, eu iria gozar em breve. Ele lambeu toda entradinha e levantou, enfiou o pau em mim de uma vez, deslizando e abrindo caminho, estirando e estocando fundo.

Gemi alto quando o pau dele fincou até o fim e voltou devagar. Contraí a boceta, prendendo-o dentro de mim até soltar aos poucos. Miguel grunhiu quando sentiu minha menina sugando seu pau. Ele apoiou meus tornozelos em seu ombro e começou a foder com força e vontade. Me segurou pela cintura, enquanto estocava fundo. Senti aquela tora inteira na minha amiguinha, batendo no ponto aonde doía e dava prazer. E gozei feito um animal no cio. Ele gemeu também, quando me sentiu mais molhada e quente.

Abri os olhos e vi o rosto dele contorcido de prazer e por fim, ele me segurou com força, estocando rápido e gozando dentro de mim, uma coisa que nunca acontecia.

Ele respirou fundo e largou minhas pernas. Deitou ao meu lado e me abraçou.

Ficamos quietos na escuridão, abraçados ouvindo a respiração um do outro.

-Você quer beber algo?
-De preferência gelado.-Sorri quando ele se levantou.-Hei senhor fazendeiro.-Ele se voltou pra mim.-Esqueceu meu beijo.-Ele voltou e caímos na cama mais uma vez, enroscados entre pernas, um comendo os lábios do outro.-Não demora não. Estou cheia de energia pra gastar.
-Eita, hoje você acaba comigo.

Era ótimo estar ali. Me sentia bem, meu corpo estava saciado, ainda sentia tremores especiais, eu estava relaxada e renovada.

Miguel era um mago. E o calor estava me queimando inteira.
Ele voltou da sala com refrigerante gelado. Ligou o ar e deitou ao meu lado.
-Eu posso fazer uma tentativa?
-Claro.
-Fica.
-Não posso.-Dei de ombros.-É o meu futuro, adiei por muito tempo os estudos. Preciso enfrentar a faculdade de uma vez.
-E se eu te pedir em casamento?
-Seria obrigada a recusar.-Ele riu.-Falo sério, não dá pra fazer as coisas dessa forma.
-Eita mulher complicada.-Ele sorriu.-Mas você está certa. Só espero que você venha visitar a fazenda com freqüência.
-Vou tentar.-Coloquei o copo em uma mesa de cabeceira e deitei a cabeça no peito dele.-É ótimo sentir seu corpo, seu cheiro... eu não sabia que por baixo daquele suor e fedor de cavalo, tinha um homem tão cheiroso.
-O que um bom banho não faz.-Ele segurou minha mão, entrelaçando meus dedos.-O que acha de pedirmos algo pelo telefone? Estou começando a ficar com fome.
-Eu posso preparar algo.
-Você sabe cozinhar?
-Você tem ingredientes?
-A cozinha está abastecida. Mas...
-Posso?
-Vá em frente.-Ele sorriu.-Se precisar, tem um extintor de incêndio, na área de serviço.
-Engraçadinho.

Vou confessar, eu queria impressionar. Aprendi a cozinhar com minha mãe, quando morávamos em uma casa aonde não havia empregada.
Catei uma blusa do Miguel e fui pra cozinha me aventurar. Deus permitisse que tudo saísse perfeito, não iria agüentar passar vergonha àquela altura do campeonato.

Como estava no clima, preparei uma macarronada. Rápido, prático e sem sujeira. Miguel preparou a mesa e o vinho e nos sentamos pra comer já por volta da meia noite.

-Você é boa.-Ele ponderou.-Cheia de surpresas.
-Às vezes eu tento.-Comecei a remexer no prato.-Você não pensa em voltar pra metrópole, trabalhar em outro tipo de negócio...
-Não. Gosto desse trabalho moça. Enquanto houver natureza e boiada pra tocar, vou seguindo minha vida.
-Acho que não volto mais pra ficar. Não vai ter muito sentido nisso.
-Você vai acabar criando uma vida confortável pra você. Vai se formar, se casar, ter filhos... Vai acabar esquecendo tudo que passou aqui nessa cidade?
-Acho que nunca.-Dei de ombros.-Viver aqui me fez crescer muito. E amadurecer, principalmente.

Estivemos nos observando durante todo o jantar. Tiramos à mesa juntos, organizamos a bagunça que fiz na cozinha e caímos no sofá, em frente a TV.

Passava um filme futurista, daqueles que a gente só entende se pegar o começo. Então, desligamos a TV e voltamos pra cama.

Acordei amarrotada. Fomos dormir tarde e Miguel estava me chamando oito horas da manhã. Foi o mesmo que pular a cerca, quando a placa diz: Cuidado, cão feroz.

Mas meu mau humor não durou muito. Tomamos um banho delicioso na hidro e ele ficou feliz, por finalmente usá-la. Maior surpresa tive, quando saímos do quarto e encontrei a mesa posta com o café.

A pior coisa quando se está certo do que vai fazer, é quando uma pessoa te faz querer mudar de idéia.

Miguel estava agindo para que eu ficasse. Mas eu acabaria o magoando e me magoando, se ficasse naquela fazenda.
E também, meu avô já tinha batido o martelo, não tinha mais jeito.
Conversamos superficialmente sobre os afazeres do dia e nos aprontamos pra voltar à fazenda.

O dia começava cedo lá, como em toda fazenda. Miguel me deixou na porta de casa, nos despedimos com um beijo rápido e subi as escadas da varanda. Fiquei esperando ele sair com o carro e foi tempo suficiente, para ver o Gabriel entrando em outro carro. Os dois ficaram frente a frente por alguns instantes, um bloqueando a passagem do outro. Então Gabriel voltou, abrindo o caminho pro Miguel sair.

Acabado o momento de tensão, me enfiei no quarto e voltei a cuidar da minha vida.






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